Na odontologia, frequentemente nos deparamos com diversas modalidades de relações de trabalho entre dentistas e clínicas odontológicas. Frequentemente, essas relações são estruturadas como parcerias estratégicas ou contratos de prestação de serviços autônomos, valorizando a flexibilidade e a autonomia profissional.
Ainda assim, em determinadas situações, essa estrutura pode ocultar uma autêntica relação empregatícia, negando ao profissional seus direitos trabalhistas. Neste artigo, examinaremos o direito ao vínculo empregatício entre dentistas e clínicas odontológicas, discutindo como os tribunais têm reconhecido essa relação e os critérios aplicados para esse reconhecimento.
Relação de Emprego sob a ótica da Legislação Brasileira
Antes de explorarmos a questão específica do vínculo empregatício para dentistas, é fundamental compreender o que configura uma relação de emprego no Brasil. Conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), principalmente em seus artigos 2º e 3º, uma relação de emprego é caracterizada pelos seguintes elementos essenciais:
- Trabalho prestado por pessoa física;
- Pessoalidade;
- Não eventualidade;
- Onerosidade;
- Subordinação jurídica;
- Alteridade (assunção dos riscos pelo empregador).
Estas características formam a base legal que define um vínculo empregatício no País. Ao entender esses critérios, podemos melhor analisar como eles se aplicam na prática odontológica. Proponho analisarmos cada um desses requisitos:
Requisitos Comuns da Relação de Emprego
Requisito | Descrição |
Pessoa Física | O trabalho deve ser prestado por uma pessoa natural, não por uma pessoa jurídica |
Pessoalidade | O trabalho deve ser realizado pelo próprio empregado, não podendo ser substituído livremente |
Não eventualidade | O trabalho deve ser habitual, contínuo |
Onerosidade | Deve haver contraprestação pelo trabalho realizado |
Subordinação jurídica | O empregado deve estar sujeito ao poder diretivo do empregador |
Alteridade | Os riscos da atividade econômica devem ser assumidos pelo empregador |
A Situação dos Dentistas em Clínicas Odontológicas
No caso específico dos dentistas que prestam serviços em clínicas odontológicas, é comum que a relação seja estabelecida como uma parceria ou um contrato de prestação de serviços autônomos. No entanto, muitas vezes, essa configuração não reflete a realidade da relação de trabalho.
Principais Características da Relação entre Dentistas e Clínicas
- Agendamento de pacientes pela clínica;
- Utilização de equipamentos e materiais da clínica;
- Pagamento por percentual dos procedimentos realizados;
- Ausência de autonomia na condução das atividades;
Essas características podem indicar a existência de uma verdadeira relação de emprego, mesmo que disfarçada sob outra nomenclatura.
O Entendimento dos Tribunais
Os Tribunais Trabalhistas brasileiros têm se debruçado sobre essa questão e, em muitos casos, reconhecido o vínculo empregatício entre dentistas e clínicas odontológicas. Para isso, os juízes analisam cuidadosamente as características da relação de trabalho, aplicando o princípio da primazia da realidade.
Principais Pontos Analisados pelos Tribunais
- Forma de agendamento dos pacientes;
- Controle sobre os horários de trabalho;
- Fornecimento de equipamentos e materiais;
- Forma de remuneração;
- Grau de autonomia do profissional.
É importante ressaltar que cada caso é analisado individualmente, considerando suas peculiaridades. No entanto, podemos observar uma tendência dos tribunais em reconhecer o vínculo empregatício quando há evidências de subordinação e falta de autonomia do dentista.
Consequências do Reconhecimento do Vínculo Empregatício
Quando um tribunal reconhece a existência de vínculo empregatício entre um dentista e uma clínica odontológica, diversas consequências jurídicas se seguem. Vejamos as principais:
- Anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS);
- Pagamento de verbas rescisórias;
- Recolhimento de FGTS e contribuições previdenciárias;
- Direito a férias remuneradas e 13º salário;
- Limitação da jornada de trabalho;
- Direito ao piso salarial da categoria.
Verbas Rescisórias Devidas
Quando reconhecido o vínculo empregatício, o dentista terá direito às seguintes verbas rescisórias:
- Aviso prévio (proporcional ao tempo de serviço);
- Férias proporcionais + 1/3;
- 13º salário proporcional;
- Multa de 40% sobre o FGTS;
- Liberação do FGTS.
É importante lembrar que, conforme o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, o prazo prescricional para reclamar esses direitos é de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
Impactos para as Clínicas Odontológicas
O reconhecimento do vínculo empregatício também traz impactos significativos para as clínicas odontológicas. Vejamos:
- Aumento dos custos operacionais;
- Necessidade de adequação dos contratos de trabalho;
- Possibilidade de autuações trabalhistas e fiscais;
- Risco de ações trabalhistas.
Para evitar esses problemas, é fundamental que as clínicas odontológicas avaliem cuidadosamente a natureza das relações de trabalho que estabelecem com os dentistas.
Como Caracterizar uma Verdadeira Relação de Autonomia
Para que uma relação entre dentista e clínica odontológica seja considerada verdadeiramente autônoma, é necessário observar alguns pontos:
- Liberdade na definição de horários e agenda;
- Possibilidade de recusar pacientes;
- Autonomia na condução dos tratamentos;
- Utilização de equipamentos e materiais próprios;
- Assunção dos riscos da atividade;
- Possibilidade de prestar serviços a outras clínicas.
Importância da Assessoria Jurídica
Tanto para dentistas quanto para clínicas odontológicas, é fundamental contar com assessoria jurídica especializada. Um advogado com experiência em direito do trabalho e conhecimento específico do setor odontológico pode:
- Orientar na elaboração de contratos adequados;
- Avaliar a natureza das relações de trabalho existentes;
- Propor ajustes para evitar problemas futuros;
- Defender os interesses em caso de ações trabalhistas.
- Exemplo de Decisão Judicial
Para ilustrar como os tribunais têm decidido sobre essa questão, podemos citar uma decisão recente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1). No caso em questão, uma dentista ajuizou uma reclamação trabalhista contra uma clínica odontológica, alegando ter trabalhado como empregada por três períodos distintos, entre fevereiro de 2013 e março de 2019.
A clínica argumentou que a relação era de parceria/arrendamento civil, com autonomia da profissional. No entanto, o TRT-1 reconheceu o vínculo empregatício, baseando-se nos seguintes pontos:
- A dentista atendia por ordem de chegada ou horário marcado;
- A agenda era realizada pela recepção da clínica;
- A clínica arcava com os custos, incluindo secretárias e material de consumo;
- A profissional recebia percentuais sobre procedimentos específicos;
- O pagamento era feito na recepção da clínica.
Com base nesses elementos, o tribunal entendeu que estavam presentes os requisitos da relação de emprego, especialmente a subordinação jurídica. A clínica foi condenada a pagar as verbas rescisórias e a anotar a CTPS da dentista. Esta decisão (TRT – RO: 00107591920195030173 MG 0010759-19.2019.5.03.0173, Relatora: Adriana Goulart de Sena Orsini) serve como um importante precedente para casos similares, demonstrando a tendência dos tribunais em reconhecer o vínculo empregatício quando há evidências de controle e subordinação, mesmo que disfarçados sob outras formas contratuais.
Conclusão
O reconhecimento do vínculo empregatício entre dentistas e clínicas odontológicas é uma questão complexa e demanda análise cuidadosa de cada caso concreto. No entanto, é inegável a tendência dos tribunais em privilegiar a realidade fática da relação de trabalho, em detrimento das formalidades contratuais.
Para os dentistas, é fundamental conhecer seus direitos e buscar orientação jurídica sempre que houver dúvidas sobre a natureza de sua relação com a clínica.
Já para as clínicas odontológicas, é essencial reavaliar seus modelos de contratação e buscar alternativas que respeitem os direitos trabalhistas sem comprometer a viabilidade econômica do negócio.
Em última análise, o respeito aos direitos trabalhistas e a clareza nas relações profissionais são fundamentais para o desenvolvimento saudável e sustentável do setor odontológico no Brasil.
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